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100 anos: bate-papo na Biblioteca Pública celebra obra de Dalton Trevisan
O jornalista Irinêo Baptista Netto mediou a conversa com a atriz e dramaturga Nena Inoue, que está em cartaz até este domingo (15) no Teatro Guaír...
14/06/2025 12h25
Por: Redação Fonte: Secom Paraná

O apelido de “Vampiro” cunhado ainda em vida – tanto por referência a uma de suas principais obras, “O Vampiro de Curitiba”, como pelo imaginário que criou com sua reclusão –, acabou tornando Dalton Trevisan realmente imortal como o personagem mitológico, mas através de suas obras. E foi para falar sobre a vida que sua obra tem ganhado menos de um ano após sua morte que a Biblioteca Pública do Paraná promoveu nesta sexta-feira (13) o bate-papo “Sexta-feira 13 com o Vampiro”, na véspera do aniversário de 100 anos do escritor.

O jornalista Irinêo Baptista Netto mediou a conversa com a atriz e dramaturga Nena Inoue, que está em cartaz até este domingo (15) no Teatro Guaíra com a peça “Daqui Ninguém Sai”, baseada nos escritos de Dalton, e com a agente literária Fabiana Faversani, assistente que acompanhou por anos o escritor e hoje é gestora da obra de Dalton Trevisan.

Obra extensa, aliás, que será relançada completa pela editora Todavia. O lançamento dos sete primeiros volumes da coleção – formada por 36 livros do autor e uma antologia organizada pelo escritor e tradutor Caetano Galindo e pelo diretor Felipe Hirsch – acontece neste sábado (14) na livraria Arte e Letra, em Curitiba, bem no dia em que o Vampiro completaria 100 anos de idade.

“O Dalton tem grande relevância para a literatura brasileira e mundial. Recebeu o Prêmio Camões (principal prêmio literário da língua portuguesa) e foi traduzido para oito idiomas”, conta Fabiana. “Ele teve uma trajetória muito coerente, que o tornou um dos autores mais originais da língua portuguesa, que merece ser lido, relido e redescoberto, que é a ideia toda em torno do trabalho de reedição e lançamento do acervo”.

Essa redescoberta será possível com o caminho que o trabalho de Dalton Trevisan trilha após sua morte, em dezembro do ano passado. O escritor curitibano passou grande parte da vida recluso e se recusava a dar entrevistas. Porém, não raramente era visto caminhando pela Capital paranaense, que é muito presente em seus contos, principalmente através de personagens que estavam à margem da sociedade, como bêbados, prostitutas, casais disfuncionais e o boêmio Nelsinho, personagem dos 15 contos de “O Vampiro de Curitiba”.

Um exemplo desse trajeto é a própria reedição da obra completa pela Todavia, que traz alguns sinais sobre a vida do autor em cada livro, inclusive com pequenas “dicas” biográficas sobre quem era Dalton Trevisan nas orelhas, o que o escritor se recusava a incluir nas publicações em vida. Com formato especial e novo projeto gráfico, os livros trazem, ao fim de cada volume, a seção “Canteiro de obras”, com material inédito com trechos de diários, cartas para amigos, bilhetes e desenhos.

Esse material está sob os cuidados do Instituto Moreira Salles (IMS), que recebeu, no ano passado, o acervo do curitibano. Também nesta sexta-feira, o IMS lançou o documentário “O arquivo de Dalton Trevisan". O curta-metragem foi filmado na residência do escritor e traz a rara cena de Dalton em sua mesa de trabalho aos 99 anos.

HOMENAGENS– As celebrações do centenário do Vampiro também ganharam destaque na Biblioteca Pública do Paraná com uma programação especial. A fachada do edifício conta com um banner gigante celebrando o escritor, e a edição de junho do Jornal Cândido homenageia o autor . “Fazemos questão de homenagear o Dalton. Todo mundo sabe da imensidão da obra deste autor paranaense, que frequentou muito a Biblioteca Pública, que também fez parte da sua produção, de suas pesquisas e de suas leituras”, afirma o diretor-presidente da BPP, Luiz Felipe Leprevost.

“Isso é muito engraçado, porque por 99 anos o Dalton preferiu não ser visto, a não ser por sua obra, e agora tudo está aberto. Estamos vendo muita coisa da vida dele, as fotos, os arquivos”, ressalta Leprevost. “Desde jovem ele foi um criador e um polemista. A revista Joaquim, que ele editou, apresentou muito a literatura brasileira, sua própria literatura, e também o senso crítico do Dalton, que estava ali digladiando com a poesia simbolista que então era feita em Curitiba. E tudo isso criou um caldo cultural muito grande”.

Outra homenagem vem do Centro Cultural Teatro Guaíra, com a montagem, pelo Teatro de Comédia do Paraná (TCP), da peça “Daqui Ninguém Sai”. Sucesso de público no Festival de Curitiba, com filas dobrando a esquina, a peça encerra sua temporada neste domingo , no Guairinha. “Daqui Ninguém Sai” teve o título escolhido pelo próprio escritor antes de sua morte e reúne contos do autor, além de trechos inéditos de sua correspondência pessoal com figuras como Otto Lara Resende e Carlos Drummond de Andrade.

“Essa peça para ter outra dramaturgia, mas 20 dias antes desistimos e resolvemos refazê-la, celebrando não apenas o Dalton, mas o próprio teatro”, conta a diretora Nena Inoue, que além de trabalhar na adaptação, deu vida a outros personagens do escritor no teatro. “Apesar de ser um dos maiores contistas brasileiros e do mundo, ele é pouco lido. Então eu quis levar essa obra principalmente para o público jovem, eu queria um espetáculo popular, em que as pessoas tivessem acesso e entendessem sua obra”.

As sessões finais desta temporada acontecem nesta sexta-feira (13) e sábado (14), às 20h30, e domingo (15), às 18h, no Auditório Salvador de Ferrante (Guairinha), no Centro Cultural Teatro Guaíra. Os ingressos podem ser adquiridos na bilheteria do teatro e pelo site DiskIngressos .

Completando as homenagens, o jornalista curitibano Christian Schwartz escreveu a biografia do escritor, com previsão para ser lançada no segundo semestre deste ano. Outro presente no centenário do escritor é o anúncio de que o casarão onde viveu grande parte da vida, na esquina da Ubaldino do Amaral com a Amintas de Barros, será transformado em um centro cultural pela Fundação Cultural de Curitiba (FCC).

BATE-PAPO– Além de conhecer os bastidores da obra, o público que compareceu ao bate-papo na Biblioteca Pública do Paraná ganhou exemplares dos livros que estão sendo relançados e também algumas plaquetes, pequenas edições “piratas” organizadas pelo próprio autor.

Os fãs também puderam falar sobre sua relação com o escritor, como a jornalista Letícia Cardoso, que começou a ler os livros de Dalton Trevisan ainda adolescente, mas foi uma das poucas felizardas que conseguiram conhecê-lo em vida, quase que por acidente.

“Eu tive uma professora de literatura maravilhosa, que me apresentou a obra, e eu tinha os livros em casa, graças à minha mãe, que tinha a segunda edição de ‘A Noite da Paixão’, que li com 16 anos, em Paranavaí”, conta. “Me mudei para Curitiba e comecei a trabalhar em uma agência perto da casa do Dalton Trevisan, e passava por ela todos os dias. Coloquei em minha cabeça que ia conhecê-lo”.

Voltando de um almoço, Letícia passou pelo cachorrinho do escritor e começou a brincar com ele. Da porta, foi o escritor quem começou a conversar com ela. “Eu expliquei que tinha o livro, que lia quando era adolescente, e perguntei se poderia deixar ali para ele assinar. Deixei o livro junto com uma carta, e ele autografou. Conversei com ele mais umas três ou quatro vezes, sempre sobre coisas ordinárias. Nisso ele me deu alguns livros, com dedicatória, que eu guardo como um tesouro”, completa a jornalista.