Na manhã desta segunda (6), a Câmara Legislativa realizou audiência pública para discutir e articular medidas de enfrentamento à tortura e mortes no sistema prisional do Distrito Federal. Presidido pelo deputado Fábio Felix (PSol), o encontro contou com a presença de representantes do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de organizações defensoras dos direitos humanos.
A iniciativa foi baseada no aumento de denúncias por violações recebidas pela Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa (CDDHCLP) da CLDF. De acordo com Felix, somente este ano, foram mais de 600 acusações de abusos físicos e psicológicos contra detentos em unidades carcerárias do DF, número quase aproximado ao total de 882 registros feitos em 2023.
“Estamos iniciando o mês de maio, já são 627 denúncias. O nível de violência é consequência da ação do próprio Estado. Hoje, os internos do sistema prisional não têm acesso às políticas públicas”, enfatizou o distrital. “Os dados existentes demonstram o oposto do previsto na legislação, há menos de 2 mil presos inseridos na política de educação do total de 16 mil. Não há acesso à profissionalização e atendimento sociopsicopedagógico.”
Durante o evento, Felix anunciou uma proposta para criação de uma nova carreira de especialistas para atuação em projetos de reinserção dos detentos na sociedade. Até o momento, a iniciativa foi apresentada no Ministério Público do DF e na Vara de Execução Penal (VEP). A ideia é levar o texto para a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ao governador do DF para aprovação. “Não dá para ter dois assistentes sociais e três psicólogos para 16 mil internos. Isso não é satisfatório e não é capaz de garantir o direito à ressocialização”, ressaltou.
Tortura
Membro do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Carolina Barreto Lemos compartilhou que, em março deste ano, o órgão realizou uma inspeção na Penitenciária do Distrito Federal 1 (PDF1) para elaboração de um relatório detalhado que possibilitará à administração pública ter acesso às informações e estatísticas precisas de violência no sistema prisional do DF.
“Recebemos, ao longo de todo o ano de 2023, uma quantidade muito significativa de denúncias em relação a essa unidade. O que constatamos confirma o que já temos de dados sobre o Distrito Federal”, relatou Carolina Lemos. “Não encontramos nada que diverge das denúncias apresentadas das outras violações aos direitos humanos. É um cenário que se caracteriza por um quadro sistêmico de tortura”, enfatizou.
De acordo com a advogada, a violência prisional não é uma prática isolada, observada apenas na PDF1, mas também no Centro de Detenção Provisória 1 (CDP) e na Penitenciária Feminina (PFDF). Carolina Lemos destacou que tortura constitui-se além de abuso físico contra os detentos, englobando situações de degradação e crueldade, como superlotação, regime de isolamento e higiene deficiente.
“Na PDF1, tinha mais ou menos 3.800 pessoas custodiadas. A capacidade da unidade é de 1.500. Há ali mais de 250% de superlotação”, afirmou. “No DF, apenas na unidade feminina não tem superlotação. Nas unidades masculinas, o déficit é de cerca de 7.500 vagas. Não há possibilidade de construir vagas suficientes para superar isso”, frisou Carolina Lemos.
Outras violações identificadas, segundo a representante do MNPCT, baseadas no Protocolo de Istambul — manual elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para avaliar situações de tortura —, foram negação do acesso à instalações sanitárias e alimentos e bebidas insuficientes ou contaminados. “O PDF1, pouco depois que estivemos lá, suspendeu o contrato de alimentação porque havia tido um surto de diarreia por alimento contaminado”, observou.
Medidas
Vanessa de Souza Farias, promotora de Justiça do Ministério Público do DF, enfatizou a importância de medidas para ampliação da ressocialização dos egressos baseadas no acesso à cultura e educação, além da promoção de serviços médicos. “Em algumas iniciativas nossas, como o mutirão odontológico, que aconteceu na PDF1, foi possível atendimento de cerca de 700 internos do sistema prisional, que era uma grande carência”, destacou.
Segundo a promotora, a atuação do Ministério Público no combate à violência nas unidades prisionais da região tem sido fundamental, desde medidas para utilização de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos os policiais penais, adoção de câmeras nos uniformes e cursos de formação contra práticas abusivas no sistema carcerário.
“Fizemos uma recomendação este ano sobre alimentação, cobrança dos gestores, fiscalização mais adequada dos contratos, já visando a inclusão de cláusulas mais rígidas que possam ampliar a oferta de alimentos de maior qualidade para os internos”, frisou Vanessa Farias. “Também estamos solicitando a instalação das câmeras de monitoramento em todas as unidades prisionais.”
A audiência pública desta segunda foi transmitida ao vivo pela TV Câmara Distrital (canal 9.3) e pode ser assistida no canal da CLDF no YouTube.
Amanda Gonçalves (estagiária) - Agência CLDF
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